Nesta segunda-feira (09) comemora-se o Dia Internacional dos Povos Indígenas . Tendo em vista a importância dessa data e frisando sempre a valorização das associadas e associados, a ADEP-MS (Associação das Defensoras e Defensores Públicos de Mato Grosso do Sul) convidou a Defensora Pública Neyla Ferreira Mendes para contar um pouco da sua história de carreira, em especial sua atuação junto ao NUPIIR (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica)

ADEP-MS – Como é atuar na área de promoção e defesa dos povos indígenas? Quais sensações e sentimentos ao lidar com os problemas e soluções dos casos indígenas?

No meu ver, os indígenas em Mato Grosso do Sul são o exemplo da vulnerabilidade extrema cuja existência das Defensorias, através de um compromisso constitucional, se obrigou a minimizar.

Em Mato Grosso do Sul, não há como falar em violação de direitos e não se lembrar dos indígenas, pois além das agruras, como população pobre, ainda sofrem com o racismo das pessoas, instituições e órgãos que deveriam protegê-los.

ADEP-MS – Sua atuação no NUPIIR mexe com o seu emocional? Muda a sua forma de ver o mundo?

Cada dia na Defensoria, nesses 33 anos de trabalho, deixaram uma marca indelével em minha alma, como também deixou na alma de cada Defensor e Defensora que tem compreensão de seus papéis no mundo. Em relação aos indígenas, com quem trabalho mais de perto há mais dez anos, é um aprendizado constante, pois como um povo tão vilipendiado e atingido por procelas, criadas por nossa ignorância e etnocentrismo sobrevivem,  e mesmo aos trancos e barrancos mantêm suas especificidade e alegria de viver?  Pessoalmente, tenho muita vergonha do que fizemos e continuamos fazendo com eles.

ADEP-MS – Há quanto tempo é defensora pública? E a quanto tempo atua frente ao NUPIIR?

Sou Defensora Pública desde setembro de 1988 e atuo no NUPIIR desde sua criação, pelo Defensor Luciano Montali, em abril de 2018. Mas antes disto já desenvolvia trabalhos ligados aos indígenas, pois atuei na COPAI/OAB-MS, uma comissão que visava a defesa desses povos, fui criadora e uma das coordenadoras do Comitê Nacional em Defesa da População Indígena de Mato Grosso do Sul (Condepi-MS), tendo por objetivo defender a população indígena contra todas as formas de violência, causada por grupos ou pelo poder público.

O Condepi congregava, há época, mais de 100 entidades privadas, desde associações locais como de ribeirinhos do norte do país, ou grandes   da região sudeste e sul, como a Justiça Global e a Terra de Direitos. Nessa época, 2011/2013 estavam matando muitas lideranças no estado e o comitê dava visibilidade e pressionava por providências contra isso nas três esferas de governo e poder.

ADEP-MS – Compartilha conosco uma lembrança marcante que tem de algum acontecimento ou atendimento no NUPIIR.

É muito difícil escolher uma única lembrança, tanto triste quanto feliz. As crianças são muito alegres e sorridentes e ficam extremante gratas por qualquer coisa que se leve ou se faça por elas. Esse sorriso no rosto de meninos e meninas é uma lição que tento levar pela vida, afinal, têm muitos motivos para serem tristes, mas não são. Tenho também na mente a rapidez com que partilham tudo que ganham, em poucos minutos se organizam e dividem tudo, seja comida, roupas ou material de higiene. Não acumulam nada.

ADEP-MS – Sempre foi seu objetivo ser defensora pública? E atuar na área de promoção e defesa dos povos indígenas era algo almejado? Me conta sobre esse processo de entrada e atuação.

Sou formada antes da constituição de 88 e até então, onde eu morava, não se falava em defensorias públicas. Só conheci esse trabalho em 1985 quando fui fazer estágio na Defensoria Pública de Dourados. Decidi pela carreira nessa época.

As portas da Defensoria Pública sempre estiveram abertas para todos, inclusive para os indígenas, porém eram raras as vezes que procuravam por nossos serviços, isso porque existe uma barreira enorme entre não indígenas e indígenas. Seja por causa da língua, cultura e costume, eles nunca se sentiram acolhidos por nós, mesmo porque percebem nosso preconceito, por isso, os indígenas que podiam, não vinham até a Defensoria Pública.

Essa barreira o NUPIIR está rompendo passo a passo, com atendimentos em seus locais de moradias, usando intérpretes e a assistência de antropólogos (as) e mantendo comunicação com lideranças eleitas e tradicionais, o tempo todo, via WhatsApp. Estamos muito longe do ideal, do mesmo jeito que também avançamos muito, já somos vistos por eles, principalmente por suas lideranças, como aliados, já têm confiança e respeito pelo NUPPIR.

Não almejava esse trabalho, mas em todos os anos como Defensora sempre busquei atuar nos vácuos que percebia dentro da instituição e neles militava até que a defensoria os assumisse, como por exemplo defesa da mulher, infância e LGBTs. Nesse sentido, fui convidada em 2009 para um grupo de trabalho para formalizar a criação de um comitê de erradicação do sub registro no estado. Após encerrado o trabalho de criação, pediram para que eu coordenasse o mencionado comitê (CEESRAD/MS). Foi quando descobri que em algumas comunidades indígenas 90% das pessoas não tinham registro de nascimento. Assim, o comitê, sob coordenação da defensoria,  começou a trabalhar indo a campo. Conseguimos reduzir esses números drasticamente – hoje gira em torno de uma média de 30% – verifiquei in loco que o sub registro era só a ponta de um iceberg chamado racismo, que atinge tanto as pessoas quanto as instituições, e que esse sentimento de estranheza em relação aos indígenas é transferido também para quem os defende.

Após mudança na gestão da DPE, em 2012, fui excluída pelo entrante, por questões políticas internas, mas continuei trabalhando, fora do expediente, através da COPAI-OAB/MS e do CONPEPI, já mencionados, e dentro do possível, fazendo gestões dentro da defensoria para que assumíssemos nossas funções constitucionais. Isso só ocorreu na gestão do Dr. Luciano Montali em 2017, quando foi elaborado um plano de atuação e, após, em 2018, criado o NUPIIR. Então posso lhe dizer com toda a certeza, não me importa se dentro ou fora do NUPIIR, aposentada ou na ativa, continuarei o trabalho enquanto Nhanderu (Deus em Guarani) me permitir.

NADORA  – NUPIIR/DPE-MS